Cristian Chiguay, liderança indígena da ilha de Chiloé, no Chile, fala ao OTSS sobre a cosmologia Mapuche e os desafios enfrentados hoje por seu povo.
O Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) conversou com Cristian Chiguay, denominado de “lonko” - uma forma de liderança da comunidade Mapuche Mon Fen Yaldad ao sul da ilha de Chiloé, no município chileno de Quellón. Ele esteve presente na Casa dos Povos, encontro realizado na sede do OTSS para a constituição de uma rede de colaboração internacional que consiga articular os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS) às especificidades dos povos e comunidades tradicionais do mundo.
“Eu sou uma espécie de cacique no meu povo, só que a nossa forma de organização não é piramidal. Nossa estrutura é plana. Eu sou porque nós todos somos uma coisa só”, diz.
Quais são hoje os principais desafios enfrentados pela sua comunidade?
Nós estamos em resistência constante diante dos atropelos e da usurpação de nossos territórios e estamos usando as ferramentas que podemos para lutar. Hoje o estado nos criminaliza por exigirmos nossos direitos ancestrais. E seguimos fazendo, porque é a única forma de manter e continuar e dizer que nós nunca fomos extintos, nunca fomos exterminados e nunca pedimos a eles que nos governassem. Hoje, nosso povo pede livre determinação de como queremos nossa educação, nossa saúde, com a gente falando, liderando nossa forma ancestral. É por meio de um mecanismo ancestral de guiar nossa vida que queremos ter um governo próprio.
Qual a importância de conhecer a fundo o sistema estabelecido pelo estado para seguir existindo como povo mapuche?
Nós temos feito muitas alianças, que é uma forma de seguir lutando com a pesca artesanal, com nossos mais velhos, com os movimentos sociais que existem nos territórios e também com o povo não indígena. Aprendemos com o tempo a desconfiar das universidades, das ONGS e do governo. Ainda assim, precisamos estar perto dos mecanismos de governo para compreender, conhecer e poder, nós mesmos, contestar seus erros. Assim vamos aprendendo como dialogar, preparamos nossos jovens que saem para estudar o conhecimento do povo não indígena para que possam nos ensinar na defesa dos nossos povos.
Povos tradicionais no Brasil também enfrentam conflitos para manter seus modos de vida. Como isso acontece no Chile junto aos mapuches?
As leis que foram feitas no Chile não nos favorecem. Criminalizam nossas atividades e nossos modos de vida. O nosso modo de viver está criminalizado e, segundo o estado, todos os dias cometemos crimes enquanto estamos simplesmente vivendo. Por isso não acreditamos no estado nem nos diálogos porque estamos há mais de 200 anos dialogando e tudo que tivemos até agora é morte. Nos reduziram e nos roubaram. Enquanto estamos dialogando, estão roubando e matando. Por isso acreditamos na autodefesa. Vamos formando nossas crianças e jovens para seguir lutando, com a mentalidade de uma luta larga, que ainda levará muitos anos. E precisamos ser sinceros, dizer a eles que essa luta é longa. Estamos trabalhando por um mundo melhor e eles têm que ser parte de um mundo melhor e não vão morrer nesta luta, eu não vou morrer nesta luta, eu vou levantar essa luta para meus netos, filhos, bisnetos.
Como se organizam os povos mapuches nessa região?
Eu sou uma espécie de “cacique” no meu povo, só que a nossa forma de organização não é piramidal. Nossa estrutura é plana. Eu sou porque nós todos somos uma coisa só. Eu faço a ação política com as autoridades chilenas, o governo, etc. E falamos de igual para igual com o presidente e outras autoridades. Temos nossas autoridades espirituais para fortalecer a espiritualidade mapuche, da terra, limpa, que nos fortalecem para enfrentar nossos desafios. Eles são nossas autoridades espirituais, muito necessárias para a luta porque quando não temos e não cuidamos da espiritualidade, qualquer coisa te dobra e te confunde, te faz submisso, te enche de culpa, de pecado. Nós não cremos em nada disso, nem no perdão e nem no pecado. Em nossa língua não há essas palavras.
Como se estrutura a comunidade? E os espaços de cura e reza?
Nossas construções hoje já são mais modernas e, ainda assim, todas orientadas da forma mapuche no que se refere à orientação do local em que o sol nasce. Sempre temos em uma comunidade nossos espaços de jogos, nosso campo de cerimônia e nossa natureza, que é onde brota a vida. Chamamos de “ñen”, que são guardiões espirituais que nos protegem. Por exemplo, sempre que eu saio peço permissão para o “ñen” do mar para que não me adoeça com as outras energias. Tem um para a floresta, para os pescados, para a cordilheira, para os ventos.
Reportagem: Vanessa Cancian/ Comunicação OTSS
Edição e fotografia: Vinicius Carvalho/ Comunicação OTSS
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