Confira os resultados da troca de experiências realizada durante o 1o Encontro Internacional de Territórios e Saberes (EITS), em Paraty (RJ)
Lideranças comunitárias de diversas regiões da América Latina se reuniram em Paraty, no dia 12 de setembro, para discutir os desafios e estratégias de resistência frente às pressões e conflitos causados por grandes empreendimentos em territórios tradicionais. A atividade, intitulada "Conflitos e pressões contra os territórios tradicionais: estratégias de resiliência e preservação da vida", contou com a participação de representantes de comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e outras populações tradicionais.
As falas dos participantes destacaram a história de resistência das comunidades contra a exploração e expropriação de seus territórios por grandes empreendimentos. Elisabeth, representante das mulheres em resistência de Sintiguarme, Equador, relatou: “As pessoas que estão na defesa estão morrendo e não temos direito de fraquejar”.
A mesa abordou diversos casos de violência física e psicológica, pressão e expropriação, além de estratégias de organização coletiva e resistência. Entre as estratégias destacadas estavam a afirmação da identidade, ancestralidade, associativismo, disputa judicial, uso das mídias, e a criação de fóruns e organização da juventude. Raissa Holanda, liderança jovem ribeirinha de Porto do Capim, João Pessoa, enfatizou a importância do envolvimento da juventude e o uso das redes sociais: “Eu sou comunidade tradicional e ribeirinha, a autoafirmação basta, não precisa da prefeitura dizer se eu sou ou não”.
Durante a troca de experiências, ficou evidente o desamparo das comunidades em relação à assistência do poder público e a falta de reconhecimento e respeito aos direitos previstos em lei. As comunidades vêm se apropriando e pautando seus direitos, como a consulta livre, prévia e informada, mencionada como fundamental no combate à mineradora que ameaça a remoção da população indígena ao sul do Equador.
Os participantes também destacaram a importância da formação social e política da juventude como forma de manter a luta e a falta de crença em mudanças profundas na situação de conflito entre a atuação do capital e a resistência de povos tradicionais. Vitor Figueiredo, da Argentina, ressaltou: “Eu quero dizer que nós, como vocês, estamos investindo em informar os nossos jovens sobre a cultura, porque é uma luta dura ao redor do mundo e cultivar essa mentalidade nos jovens é muito importante”.
Racismo Ambiental
O Racismo Ambiental foi uma pauta importante na discussão, principalmente ao tratar da tragédia crime que assolou o município de São Sebastião. Davi, da União dos Atingidos, São Sebastião, comentou: “Pode ter enchentes e problemas climáticos, mas o maior problema é o abandono social”. Os participantes compartilharam suas percepções sobre o futuro, suas estratégias de resistência e ferramentas de luta ao alcance.
A violência contra lideranças comunitárias e a morosidade da justiça também foram temas recorrentes. Eliton, de Sergipe, relatou: “O principal conflito vem da própria legislação, processo muito longo que inicia nessa transferência de comunidade tradicional para quilombola, e a gente pode até não ver esse projeto finalizado porque tem reconhecimento, legislação, mas os fazendeiros podem recorrer e a gente vai ficando velho”.
COP 30
Entre as principais recomendações e encaminhamentos colocados pelos participantes para a COP 30, destacam-se:
Promover melhor relação de diálogo e parceria entre órgãos ambientais e populações tradicionais.
Transição energética justa e popular.
Criar plano de desenvolvimento sustentável dos PCTS em âmbito governamental.
Fomentar o direito e respeito à Consulta Livre Prévia e Informada e conhecimento das outras legislações existentes direcionadas aos PCTS.
Fortalecer a política de consultas populares além das Livres Prévias e Informadas.
Promover as consultas populares a respeito dos empreendimentos em espaços públicos.
Promover proteção a lideranças contra violência e ameaças.
Sobre o EITS
O encontro em Paraty reforçou a importância da união e da troca de experiências entre as comunidades tradicionais para enfrentar os desafios impostos pelo capital e garantir a preservação de seus modos de vida e territórios. Como destacou Marcelo Xavier, da Aldeia Guarani, Norte do Espírito Santo: “Dividir para dominar, se não entendermos que precisamos nos reconectar independente de quantas sejam as nossas organizações e associações, nós continuaremos sendo marionetes nesse processo, precisamos nos unificar, entender que precisamos pensar juntos em formas de nos conectarmos em rede, todos representando a todos, porque se não não temos chance”.
A realização do EITS foi fruto de uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e o Colégio Pedro II (CPII).
Também participaram como parceiros do EITS a Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC), a Coordenação Nacional de Comunidades Negras e Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), o Fórum dos Pescadores em Defesa da Baía de Sepetiba, o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe, o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (Funbea), a Universidade Federal de Sergipe (UFS), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a ONG Verde Cidadania, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), a Universidade Federal de Goiás (UFG), a Fundação de Rádio e Televisão Educativa e Cultural (Fundação RTVE) e o Governo de Goiás, com apoio do Fundo Casa.
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